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Educação

A professora que dá visibilidade à comunidade surda alegretense

Como você reagiria se precisasse se comunicar com alguém que não consegue entender a sua língua? E se fosse a segunda língua oficial do país?  Essa é a realidade de 5,2% da população brasileira, segundo o censo  do IBGE de 2010. É nítida a grande barreira existente entre ouvintes e surdos no Brasil. Para concretizar a entrevista que você confere abaixo, foi necessária uma rede de comunicação envolvendo uma intérprete entre repórter e entrevistada. Em Alegrete, uma professora surda da UNIPAMPA tem se destacado nesse cenário de luta por representatividade e inclusão.

Ana Paula Gomes Lara atua no município desde 2013. Vindo da capital gaúcha, onde teve a oportunidade de se desenvolver intelectualmente convivendo em escola especial (só para surdos, com metodologia e currículo adaptado para suas diferenças linguísticas) e posteriormente inclusiva (escola regular que trabalha na perspectiva da inclusão), entendeu que precisava difundir seu conhecimento e vivência para além da universidade. Mais do que isso, Ana Paula vem provando que a surdez não é uma deficiência e sim uma condição.

A última segunda-feira (23) foi marcada pelo dia nacional da educação de Surdos.  O EQ conversou com a professora sobre a visão dela sobre uma sociedade que ainda tem muito a evoluir no que se refere à  esse assunto.

Como é ensinar LIBRAS para ouvintes enquanto pessoa surda?

A professora de LIBRAS da UNIPAMPA, Ana Paula Gomes Lara

Quando eu ingressei como professora de LIBRAS na UNIPAMPA, por meio de concurso público, na minha atuação não havia intérprete. Então, na primeira aula eu pedi apoio para a minha colega, a professora Amanda Melo para que ela me auxiliasse a explicar de forma breve como se daria o componente de LIBRAS no semestre. Ela explicou e eu fiquei com os alunos explicando sobre os sinais em LIBRAS por meio de slides e o ensino foi se desenvolvendo aos poucos. Os alunos foram se comunicando comigo por meio da escrita, tentando se comunicar por meio do alfabeto manual, de gestos, ou mesmo dos sinais que eles aprendiam no decorrer das aulas. Passado um período de aproximadamente um ano, quando nós recebemos a profissional intérprete Roberta Messa no desenvolvimento das atividades foi bem importante, por exemplo, nas atividades de seminários, questões teóricas sobre educação de surdos, cultura surda. Conteúdos específicos em que realmente se faz necessário o apoio do intérprete. Em outros momentos, como por exemplo, o trabalho das aulas práticas de vocabulário, eu consigo atuar de forma bem positiva com os alunos e esse retorno é muito satisfatório.

 Porque a escolha pela docência?

A minha escolha ser docente surgiu das experiências vivenciadas com uma professora Surda na primeira comunhão, ela pedia meu apoio nas aulas, depois veio o magistério e as reflexões sobre metodologias adequadas na educação de surdos que despertaram cada vez mais meu interesse na área.

Tens atuado como professora de Libras no município desde 2013. O que percebes de diferença no cenário, seja na universidade, seja na atuação em projetos com a comunidade surda alegretense? Como era esse cenário e o que já se conquistou até agora em termos de inclusão?

Comecei a atuar como prof.ª universitária em outubro de 2013. Ao chegar na cidade, comecei o contato com a comunidade por meio de cursos para ouvintes e projetos de extensão com foco na Comunidade Surda. Pude perceber nesse contato que havia muitas limitações, como a falta de acessibilidade, relação familiar, entre outras questões. Comecei a refletir sobre como poderia intervir nessa realidade. Dialoguei com a professora Dr. Gladis Perlin (Prof.ª Surda da UFRGS) que me orientou a criar um Fórum com foco na Comunidade Surda de Alegrete. Então, fizemos uma reunião com alguns colegas parceiros para definir a estrutura do projeto e ações. Desde então, já foram oportunizadas três edições do Fórum da Comunidade Surda de Alegrete, o qual promove por meio de palestras diferentes temas que envolvem direitos, políticas, cidadania, educação, trabalho, artefatos culturais… Na intenção de refletir sobre as atuais demandas da comunidade.

Como surgiu a ideia do projeto do EJA na escola Lauro Dornelles? Como essa iniciativa foi recebida pelos alunos? Quais serão os próximos passos?

Foi a partir do Fórum que emergiu a ideia da EJA e pelo interesse dos surdos em se desenvolverem intelectualmente, surgiu dessa maneira uma parceria com a Escola Lauro Dorneles e a voluntária Nilvia Vargas, iniciou-se assim a concretização desse projeto. Esperamos poder continuar com muitas outras edições, visando contribuir com o desenvolvimento da Comunidade Surda de Alegrete, consolidando o Fórum, assim como o GIPES (grupo interinstitucional de pesquisas em educação de surdos). Penso que em longo prazo e com a parceria de colegas professores surdos de Libras e intérpretes/tradutores de Libras, possamos criar uma Pós Graduação de Libras com o intuito de aumentar o número de professores e intérpretes em nossa região.

Como é viver em Alegrete sendo surda? É natural se comunicar em supermercados, nas ruas, hospitais.. enfim, um surdo consegue ter um dia-a-dia tranquilo ou passa por dificuldades?

Bom, para mim é tranquilo, pois desde os 21 anos já moro sozinha e tenho uma vida independente. Na época Trabalhava no instituto de cardiologia do RS e estudava no magistério em Poa, depois desse período trabalhei por 10 anos em uma escola de surdos (Frei Pacífico) como professora. Por isso para mim é normal a vida aqui, no comércio é normal, inclusive alguns alunos dos cursos de Libras que ministrei atuam no comércio, no dentista ela usa alfabeto manual, escrita, gestos… No hospital encontro maiores dificuldades, sempre que preciso chamo um profissional para me apoiar na comunicação.

Existe um preconceito maior por ser uma cidade de interior?

No interior o preconceito é maior, devido à falta de conhecimento da língua especialmente por acreditarem em alguns mitos que envolve a Libras. Por exemplo, pensa que é uma língua inferior ou atrasar a surdez a incapacidade. Já senti preconceito por parte de um médico que incisivamente insistiu que eu deveria usar aparelho auditivo, desprestigiando minha língua materna e identidade. Tbm por parte de um oficial de justiça que mesmo sabendo que era professora universitária teve dúvida se eu saberia assinar um documento. Acredito que o preconceito surja pela falta de informação. Por isso vejo o quão importante é o Forum  nesse sentido. Outra questão que implica reflexão por parte do comércio e instituições, é a oferta de emprego para surdos além das cotas previstas em Lei. O surdo busca oportunidades!

Como foi a tua formação? Foi inclusiva? Em escolas com ouvintes?

Dos 4 aos 14 anos estudei em escola especial, Escola de surdos, depois no ensino médio fui para escola regular inclusiva, não tive acompanhamento de intérprete nesse período, apenas de uma amiga que me auxiliava, eu me esforcei muito. Quando comecei a estudar no magistério, pela primeira vez na escola regular me senti respeitada na minha língua. Fiz o estágio do magistério na escola em que estudei quando criança, Escola especial para surdos. Ao concluir o magistério fui chamada para atuar como professora de surdos na de infantil, depois assumi outras disciplinas, como Libras e religião. Tbm criei um dicionário específico da disciplina em que atuava, valorizando imagens e a Libras. Tive a oportunidade de cursar a graduação de Letras Libras, primeira graduação acessível ao surdo no Brasil, todo material e currículo era adaptada. Me formei na primeira turma de Letras Libras UFSC onde o polo era em SM. Total de surdos formados 48.

 Na tua opinião, qual a forma correta de alfabetizar uma criança surda? E, principalmente, o que pode ser feito para que as crianças surdas cresçam em um ambiente inclusivo? Porque a população ouvinte no Brasil não é estimulada a aprender a LIBRAS?

O surdo deve ser respeitado na sua língua materna, que é a Libras, conviver com pares para conhecer sobre sua cultura, sua língua, movimento políticos, identidade e lutas. Estimular o aprendizado por meio de material visual com metodologia específica. Diferente da metodologia utilizada com aluno ouvinte. Interessante seriam intervenções em determinados locais apresentando imagens e significados, ao se apropriar da sua língua a criança terá mais facilidade em aprender o português. Materiais visuais, imagens, escrita de sinais, uso de slides, histórias, teatro, passeios interativos… O apoio da família nesse processo é fundamental. Eu penso que para melhor desenvolvimento de uma criança Surda é necessário sua alfabetização em uma escola de surdos e após sim, teria condições de ser incluída em escola regular que oportunize a acessibilidade e inclusão. Bom sobre a difusão da Libras são necessárias iniciativas do governo na formação de profissionais na área, a Feneis oportuniza varios cursos a comunidade ouvinte. Mas ainda faltam muitas iniciativas, especialmente no que se refere a cursos de graduação e pós graduação acessíveis aos surdos. Além disso, é importante levarmos em consideração e termos cuidado com a formação de profissionais na área de Libras, não é qualquer pessoa que pode oferecer cursos de Libras se faz necessária formação adequada.

FÓRUNS DA COMUNIDADE SURDA

 Através de uma extensa pesquisa em parceria com a intérprete Roberta Messa, Ana Paula identificou a necessidade de divulgar a identidade surda e a língua de sinais para a comunidade. “Embora a língua de sinais seja reconhecida como língua no Brasil, ainda são necessárias muitas ações para que seja compreendida sua importância para o surdo”, enfatiza a docente. Segundo ela, o acesso à comunicação é indispensável ao exercício da cidadania. “Para que haja transformações, é essencial o envolvimento da família, da escola, da sociedade em geral e dos próprios surdos”.

Nesse sentido, foi criado um Fórum com foco na comunidade surda alegretense. Já foram realizadas três edições do evento que promove por meio de palestras diferentes temas que envolvem direitos, políticas, cidadania, educação e trabalho, entre outros, com a intenção de refletir sobre as atuais demandas da comunidade. Participam membros da comunidade surda e comunidade ouvinte, principalmente professores de alunos surdos e famílias de surdos e acadêmicos da UNIPAMPA.

Cada encontro reúne uma média de 80 participantes. Também já foram realizados projetos de extensão dentro da universidade com o objetivo de difundir a língua de sinais para a comunidade de Alegrete. Outro grande passo para a comunidade surda foi a criação do EJA/surdos na Escola Estadual Dr. Lauro Dorneles. A primeira turma contou com 13 alunos surdos e cinco alunos ouvintes entre 17 e 70 anos. A  oportunidade de alfabetização marca o início de um futuro com muita esperança e novas possibilidades para os estudantes.

 

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Educação

Josie Pillar recebe mérito legislativo

Uma noite de reconhecimento e inclusão.

Ao conferir o Mérito Legislativo à professora Josie dos Santos Pillar, a Câmara deu ao trabalho da educadora e ativista na luta pelos direitos das pessoas com deficiência, ainda maior relevância ao trabalho da educadora.

A iniciativa partiu da vereadora Fátima Marchezan, com apoio do conjunto de vereadores.

Acompanhada do companheiro de vida, José Rubens Rosa Pillar, Josie fez um consistente pronunciamento, dividindo com suas equipes as conquistas que vem acumulando e os aplausos que a comunidade dirige ao seu trabalho.

Na plateia, a comunidade surda em peso. Também representantes do extraordinário projeto Esporte para Todos, que leva a sua marca.

O presidente Luciano Belmonte conduziu a sessão, que contou com a presença dos vereadores Bispo Ênio, João Monteiro, João Leivas, além da vereadora proponente, Fátima Marchezan.

O vice-prefeito Jesse Trindade representou o Executivo.

Currículo

Graduada em Educação Física pela Universidade Luterana do Brasil (2008), Especialista em docência, Tradução e Interpretação em LIBRAS- Língua Brasileira de Sinais.

Já atuou como:

– Professora de Educação Física na APAE Alegrete

– Técnica especializada em Tradução/ interpretação de Libras- Língua Brasileira de Sinais na UNIPAMPA/ Bagé

– docente de Libras nos cursos de Licenciatura e em algumas disciplinas do curso de Educação Física na Universidade da Região da Campanha- URCAMP.

– Tutora do curso de Letras/Libras na UNIASSELVI (2018- 2019)

– professora de Libras e Didática da Educação Física no Curso Normal no Instituto Educacional Osvaldo Aranha.

– Intérprete na Escola Eduardo Vargas

– ATUALMENTE:

– Intérprete de Libras da FENEIS- Federação Nacional de educação e integração dos surdos, convênio UERGS

– Intérprete de Libras da Secretaria de Saúde do município de Alegrete

– Tradutora e Intérprete na Empresa Pessoalize- SC

– Proprietária da Empresa INCLUSIVE Alegrete- Empresa de formação, tradução e interpretação em Libras, assessoria e consultoria na área de inclusão e acessibilidade

– Diretora do Departamento de Ação e Promoção da Inclusão Social da AABB- Associação Atlética do Banco do Brasil

– Junto com a comunidade Surda local foi em busca para que tivesse acessibilidade comunicacional na Câmara de Vereadores no qual atuou por 1 ano

Realiza Interpretações em Libras em contextos educacionais, culturais, jurídicos, saúde, entre outros.

Foi uma das fundadoras da associação “Esporte para Todos”, que trabalha esportes para Pessoas com Deficiência, no qual ainda é atuante.

Tem experiência na área de Docência, Tradução e Interpretação de Libras e Educação Física com ênfase em Educação Física para Pessoas com Deficiência.

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Educação

Victorino propõe parceria com iniciativa privada para implementar escolas cívico-militares

Em reunião com a Secretária da Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira nesta terça-feira,18, o deputado Gustavo Victorino apresentou sua proposta de implementação de parceria entre iniciativa privada e prefeituras para financiar os custos adicionais das escolas cívico-militares no estado.

Conforme o parlamentar, a medida garante o fornecimento de uniformes aos alunos e auxílio financeiro para os militares no ensino do civismo e da segurança, sem onerar os cofres públicos: “Enquanto muitas escolas apresentam evasão escolar, algumas escolas cívico-militares têm filas de espera de mais de dez alunos por vaga, são pais que desejam, além do ensino pedagógico convencional, que os filhos tenham o conhecimento de leis, de regras de trânsito e de comportamento social, levados aos estudantes pelos militares”, argumenta.

Na oportunidade Victorino entregou à secretária as demandas de diversas prefeituras que têm interesse em implementar escolas cívico-militares em suas regiões.

A secretária Raquel Teixeira informou que mais de 80% de crianças e jovens do Rio Grande do Sul estão em escolas públicas e que levará a proposta ao Governador Eduardo Leite.

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Educação

Garantidas as escolas Cívico-militares no RS

O líder do governo, deputado estadual Frederico Antunes participou na tarde desta sexta-feira (14/07), de reunião com o secretário-chefe da Casa Civil, Artur Lemos e com o deputado federal Ten. Cel. Zucco. Na oportunidade Frederico e Lemos informamos ao deputado Zucco, que o governador Eduardo Leite vai manter no Rio Grande do Sul, o programa das escolas cívico-militares nas 18 instituições de ensino administradas pelo Estado.

 

 

A diferença do modelo estadual para o federal, é que em vez de usar reservistas das Forças Armadas como monitores, o RS contrata brigadianos aposentados. A avaliação das comunidades que contam com as 18 escolas cívico-militares da esfera estadual é altamente positiva.

 

Criado em 2019, o programa de escolas cívico-militares permitia a transformação de escolas públicas para o modelo cívico-militar com formato que unia educadores civis e militares.

 

Os civis, professores concursados da rede estadual, ficavam responsáveis pela parte pedagógica, enquanto a gestão administrativa e comportamental, que aplicava disciplina aos alunos, passava para os militares.

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